[documentário] MALOCA: a eterna construção


O que o programa social “Minha casa, minha vida” tem a ver com a especulação imobiliária? Porque os recursos para construção de moradias demoram tanto para chegarem nas mãos dos assentados de reforma agrária? Esses e outros assuntos são discutidos pelo filme “Maloca – A eterna construção”. O documentário é um curta-metragem dirigido pelos jornalistas Elder Barbosa e Lívia Alcântara, que discute a temática da habitação em uma perspectiva qualitativa, dando ênfase à dificuldade da conquista da casa própria por parte da classe mais baixa nos meios urbano e rural. Para traçar esse panorama, o documentário conta com depoimentos de assentados, moradores de conjuntos habitacionais, lideranças de movimentos sociais e representantes do poder público e privado.

Fernando, integrante do projeto Terra Crua e técnico do MST

A concepção do documentário surgiu através das atividades do projeto de extensão “Terra Crua”, que atua no Assentamento Olga Benário em Visconde do Rio Branco-MG. O “Terra Crua” nasceu em 2008 e tem a proposta de conduzir um processo coletivo e participativo de construção das habitações. A iniciativa vem da constatação de que as moradias padrões (modelo arquitetônico de casas populares) não se adaptam às necessidades dos moradores urbanos e muito menos rurais. A demora na liberação dos recursos mostrou aos membros do projeto que o buraco é muito mais embaixo, já que, apesar de todos os esforços, até hoje as moradias não foram construídas no assentamento.

Chico, morador do Assentamento Olga Benário, MST - MG


Quando se fala em habitação popular, vem logo a mente a imagem de grandes conjuntos habitacionais, como os do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Mas a habitação popular também está no campo, e também pelo mesmo programa - com linhas específicas para a agricultura familiar. No entanto, para o governo, agricultores familiares e assentados da reforma agrária são coisas bem diferentes. Assentado da reforma agrária não tem acesso ao “Minha Casa, Minha Vida” que, apesar dos muitos pesares, é ainda “melhor” que o programa Crédito Instalação oferecido pelo MDA/INCRA (Ministério do Desenvolvimento Agrário/ Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Esse crédito, no valor atual de R$15 mil é concedido aos assentados com a finalidade de construir suas moradias, sendo que, deste valor, até 20% podem ser utilizados para o pagamento de mão-de-obra para a construção, ou seja, a família constrói com as próprias mãos sua moradia, ou encontra mão-de-obra disposta a ganhar R$3 mil para tanto – sabe-se que o custo médio da mão-de-obra não construção civil pode chegar a 50% do valor total da obra. Além disso, os assentados não podem alterar o projeto padrão fornecido pelo INCRA, o que desconsidera as particularidades regionais e familiares, e obriga os moradores a modificarem toda a obra ao fim da aplicação dos créditos. Dados coletados pelo projeto Terra Crua em assentamentos do MST de todas as regiões de MG atestam que 85% das famílias assentadas no estado ainda não acessaram os créditos que, na maioria dos casos, estão depositados em contas bloqueadas a mais de 5 anos.

Loteamento Popular no Morro Coelhas em Viçosa, MG

 Somado às contradições que encontrava no campo, o projeto Terra Crua tem sede na cidade de Viçosa-MG, onde a construção das moradias do “Minha casa, minha vida” foi feita por uma construtora ligada a uma família politicamente forte na cidade. A escolha do terreno a ser usado foi polêmica por ser muito afastado do centro da cidade em uma região que interessava os especuladores detentores de terras em locais próximos.

A articulação com outros movimentos urbanos, como as Brigadas Populares, proporcionaram o contato com outras experiências de resistência pela conquista da moradia, como a Ocupação Dandara, uma ocupação urbana na cidade de Belo Horizonte que batalha a anos contra a prefeitura pela conquista da terra.

A idéia da produção de um documentário veio justamente da necessidade do Terra Crua se entender dentro dessa complexa rede de interesses entre o poder público e privado que joga o povo a um posto de marionetes da especulação imobiliária. Com o barateamento de equipamentos de vídeo como celulares ou câmera digitais, o audiovisual assume um importante papel na busca das reivindicações por parte dos movimentos sociais, sendo ele um importante instrumento de luta devido à sua fácil circulação.

Muitos dos entrevistados são do próprio Assentamento Olga Benário, mostrando um problema especifico que no final das contas é global. O boom da construção com o “Minha casa, minha vida” aparece com o depoimento de Agnaldo Pacheco, um arquiteto atuante na vida política de Viçosa. Um Integrante do INCRA e um dono de construtora também são ouvidos para dar seu ponto de vista muitas vezes contraditório sobre os rumos da habitação no país.

A elaboração desse vídeo documentário em meio à experiência de construção participativa com os moradores do assentamento Olga Benário mostra uma das principais características do documentário na América Latina: a discussão de uma questão através do olhar de uma perspectiva diferente, podendo adotar uma posição contra-hegemônica que privilegia grupos que são marginalizados ou reprimidos por valores e crenças dominantes da sociedade. Esse documentário é um grito, uma tentativa de discutir a habitação com a profundidade e intensidade que lhe é necessária, abordando antes do ponto de vista qualitativo do que quantitativo.

Elder Barbosa, Fernando Cardoso, Lívia Alcântara

Assista o vídeo em duas partes:







0 Response to "[documentário] MALOCA: a eterna construção"

Postar um comentário

powered by Blogger | WordPress by Newwpthemes | Converted by BloggerTheme